O técnico Jorge Sampaoli deve deixar o Santos ao final do ano (Crédito: Ivan Storti/SantosFC)

Se Sampaoli sair, Santos ficará entre a luz e a escuridão
Por Miro Neto, especial para o DIÁRIO DO PEIXE

Será um pesar enorme se Jorge Sampaoli deixar o Santos ao fim do ano. Para muitos (sem exagero) representará um pequeno luto. Difícil negar que o argentino realiza um dos trabalhos mais singulares e empolgantes vistos no clube em muito tempo. A mentalidade de jogo, a adesão dos atletas a ela, a obsessão por vencer, o respeito intransigente pela história alvinegra… Em uma mísera temporada, o treinador oxigenou a Vila Belmiro e criou uma legião de fãs que, agora, veem a orfandade se avizinhar.

Mas, diante da iminência do adeus (toc, toc, toc!), há uma pergunta que causa ainda mais inquietação nos santistas: o que será feito do legado de Sampaoli? Quais as razões para acreditar que o clube não desperdiçará a herança deixada?

O presidente José Carlos Peres fez a luz ao contratá-lo no início do ano. Só que antes dele, o alvo do dirigente foi Abel Braga, que acabou optando pelo Flamengo à época. As similaridades entre Abelão e Sampaoli ficam restritas ao carisma (embora até neste aspecto o sejam de forma diferente). Filosoficamente, os dois habitam universos bastante distintos da bola. Enquanto um, de longeva carreira, é muito mais associado a aspectos motivacionais coletivos e figura entre os ditos “técnicos-paizões”, o que o fez ser “convocado” para salvar o Cruzeiro da degola, além de primar pelas preocupações defensivas, o outro alinha-se a elementos da dinâmica do jogo em si, suas nuances e estratégias táticas. Com ele, intensidade é a cartilha em que reza o time. Seu pensamento condensa-se na máximo do “amor por el balón”.

No ano passado, em entrevista ao programa Bola da Vez da ESPN em que participei como entrevistador, Peres se disse “encantado com Jair Ventura”. Naquele momento, o trabalho do jovem técnico fazia água, era bastante acidentado e questionado. O time ia de mal a pior. Essa declaração ecoou na minha cabeça como um sinal de preocupante alienação.

O que garante, com essa folha corrida cheia de vieses de preferência e lógica, que o dirigente buscará um sucessor da mesma casta de Sampaoli? Alguém que não desperdice o que foi construído e leve o time descer uns bons degraus?

Suponhamos que a passagem de Sampaoli tenha iluminado Peres de convicções, a ponto de ele considerar imprescindível a boa colheita do que foi plantado. Neste caso, haverá um obstáculo criado pelo próprio dirigente. Se sair, Sampaoli o fará muito por falhas gritantes administrativas. Irá alguém com o perfil do argentino querer assumir nessas condições? Características de personalidade à parte, o fato é que os candidatos terão fartura de motivos para temer o ambiente do clube. Esse também é um legado de Sampaoli: expor as incongruências da gestão.

O técnico, que declarou dias atrás não conversar com o presidente há cinco meses, externou diversas vezes descontentamento com a postura de idas e vindas do cartola. Nunca pareceu minimamente confortável nessa relação. Pior: Paulo Autuori anunciou que deixará a superintendência de futebol do Peixe ao fim do ano. O anúncio veio depois que Peres “cobrou” a escalação de Cueva. Um desastre! O técnico perdeu o esteio.

O elenco do Santos absorveu organicamente as premissas de Sampaoli. A recuperação no segundo do meio do segundo turno depois de um período de oscilação, que despertou os céticos, comprova isso. Para a segunda temporada, a chance de êxito, com competitividade e títulos, certamente será(ia) maior. Sem Sampaoli ou um técnico capaz de fazer bom proveito do legado, o futuro do Santos para 2020 é bastante duvidoso.