Há 11 anos no clube, Vladimir não tem dúvida quanto ao título mais especial dentre tantos conquistados (Crédito: Ivan Storti/Santos FC)

O ano era 2015. Não foi da maneira como eu queria, mas eu estava lá. O Vanderlei havia se machucado e eu era o titular naquela final contra o Palmeiras. Decisão nos pênaltis. Quando o Rafael Marques pegou a bola, um filme passou pela minha cabeça.

Desde muito pequeno eu acompanhava meu pai nos estádios da várzea da Bahia, onde nasci, em Ipiaú. Adorava aquela atmosfera. Meu pai era goleiro e, quando o jogo acabava, eu colocava a camisa e as luvas dele e brincava no gol. Eu queria fazer as coisas que ele fazia. Ele é meu ídolo tanto no futebol quanto na vida. A gente ia pro campo, ele de bicicleta e eu correndo. Ele me treinava e dizia que um dia eu seria goleiro profissional.

Aos 10 anos eu entrei na escolinha. Um ano depois minha irmã ouviu no rádio que teria uma peneira do Bahia e meu pai fez questão de me levar. Eu passei junto com outros quatro garotos dentre 560 que fizeram o teste. Mas eu não tinha condições de treinar lá. Salvador era longe da minha cidade e eles não tinham alojamento para a minha idade. Então, meu pai me levava duas vezes por semana, pedia dispensa no trabalho para ir comigo de ônibus. Treinava quinta e sexta e jogava no sábado.

A partir dos 12 anos eu já comecei a ficar alojado no Bahia, mas meus pais sempre davam um jeito de ir me visitar, eles sempre foram muito presentes na minha vida. Em um aniversário, eles conseguiram separar um lugar no alojamento para fazer uma festa pra mim. Eles sempre fizeram de tudo.

Tenho um carinho muito grande pelo Bahia, que me ensinou o básico do futebol, mas quando o Bahia caiu para a terceira divisão a situação ficou um tanto precária em termos de alojamento. Eram muitos garotos e não tinha espaço. As condições eram difíceis. Eles queriam fazer o contrato de cinco anos, mas o salário que eles tinham pra oferecer, eu ganharia o dobro se eu trabalhasse de motoboy na minha cidade. Eu preferi voltar.

Nessa época, meu pai teve de arcar com os estudos da minha irmã, que hoje é advogada, e ainda me ajudar, pois as condições no Bahia eram precárias. As refeições eram fracas, longe do ideal para os treinamentos duradouros da base, onde você treina até corrigir seus fundamentos, mas era o que tinha e a gente se virava.

Nesse momento eu tinha desistido. Aos 16 anos, eu fiquei seis meses parado. Não podia ficar preso ao clube com aquele salário, então voltei para terminar os estudos e procurar um emprego para conciliar e ajudar em casa.

Então, o telefone tocou. Era uma oportunidade no juvenil de um clube do interior de São Paulo, o Votoraty. Eu topei. Nessa categoria, o campeonato não é separado por divisão e, se eu fizesse um bom campeonato, poderia chamar a atenção de times grandes. Cheguei e fomos campeões. Fui promovido para o profissional, disputei a quarta divisão do Paulista, subimos e disputei a terceira divisão. Quando acabou a competição, o presidente, ainda no estádio, me chamou dizendo que o Santos tinha feito contato, pois precisava de um goleiro para os juniores. Deu certo e eu vim, em 2007, com 17 anos.

Em 2009 a safra toda acabou promovida ao time profissional, mas o Felipe tinha retornado de empréstimo e me desceram para o juniores novamente. Eu estava perto de estourar a idade e eu precisava estar em algum elenco profissional quando isso acontecesse. Conversei e o Márcio Fernandes me convidou para ir para o Fortaleza por empréstimo. Automaticamente, quando você é emprestado, no início da outra temporada você tem que se reapresentar no time. Então eu me reapresentei na pré-temporada e eu sabia que estava em minhas mãos: ralar e fazer uma boa pré-temporada para conseguir meu lugar no elenco. Consegui.

(Crédito: Ricardo Saibun/Santos FC)

Eu tenho uma identidade muito grande com o Santos. As vezes tem alguns garotos de 9, 10 anos de idade, que ficam cobrando em rede social… Eu sou mais torcedor do que eles! Vou completar 12 anos no clube. Tenho um carinho enorme. Tenho todos os títulos tatuados no meu corpo e quando perguntam: e se você for pra outro clube? Pra ser sincero, eu não me imagino vestindo outra camisa. Tenho o sonho de conquistar, jogando, tudo que eu conquistei.

Hoje o Vanderlei é um ídolo do clube, vive uma fase excepcional, merecia Seleção. Eu entendo e respeito, mas vou continuar trabalhando. Uma hora ou outra ele vai ter que parar. Se ele continuar assim, pode chamar a atenção de outro clube também. Quando eu entrar eu tenho que estar preparado, tenho que estar próximo, igual ou melhor do que ele para vestir a camisa do Santos que tem tanta tradição.

Eu morei debaixo da arquibancada da Vila e nos jogos de Libertadores eu ouvia a torcida gritando o nome do Fábio Costa e eu falava pra um amigo meu: um dia você vai ouvir a torcida gritando meu nome, vou fechar o gol. E assim foi feito. São sonhos realizados e não tem dinheiro que pague. Eu nunca me vi vestindo a camisa de outro clube. Já apareceram várias propostas, mas eu sempre dei prioridade pro Santos. Tenho uma gratidão e um respeito muito grande.

Já vi o Felipe, Rafael, Fábio Costa, Aranha, Vanderlei… Minha maior motivação é estar realizando um sonho de criança. Eu já senti esse gosto de jogar e ganhar títulos com a camisa do Santos. É muito especial e eu não quero perder. Não quero sair do Santos e dizer ‘tive uma passagem no Santos’, quero dizer ‘passei pelo Santos e fui campeão de tudo que disputei’. Infelizmente goleiro só joga um. Tem que respeitar… o Vanderlei já era um cara consagrado quando veio. É extrair o máximo dele, ver o que ele faz de melhor e aprender.  Trabalhar com ele é aprender cada dia uma novidade.

Mas jogar por esse clube… É muito especial. Ganhar um título jogando é ainda mais especial. Até hoje quando eu falo, me emociono. Todos os dias eu prometo pros meus filhos: um dia vocês vão ver o papai.

Um ano antes, em 2014, eu pensei que tivesse terminado meu vínculo com o clube. Ficamos cinco meses com salários atrasados. Ninguém sabe, mas meu contrato acabava no último jogo, contra o Vitória. Ali no vestiário eu me despedi de todo o grupo. Pensei que era o fim do meu ciclo.

Mas não podia ser. Eu sabia que tinha muita coisa para acontecer ainda. Tinham clubes de São Paulo, da Capital e do Interior, que queriam me contratar, mas eu sabia que havia muita coisa para acontecer no Santos ainda, que minha história não tinha acabado.

Dei minha palavra para o clube que eu estava disposto a ficar no Santos. Quando me reapresentei aqui, em janeiro, ninguém entendeu nada. O Braz até brinca comigo hoje: ‘pô, você fez todo mundo chorar lá, se despedindo, e se reapresenta?’. Os caras queriam me matar. Eu fiquei treinando por um mês sem vínculo algum antes de assinar um novo contrato.

(Crédito: Ivan Storti/Santos FC)

Ralei muito pra chegar aqui e eu não vou deixar escapar. Eu sei que falta muita coisa pra evoluir, mas todo dia eu treino forte e me cobro muito. Dizem que eu me cobro demais, mas eu sou assim, sempre vou em busca da perfeição. Sei que vou ficar muito longe disso, mas tenho que buscar. A oportunidade pra nós, goleiros, aparece da noite pro dia. Você não sabe. Tem que estar sempre preparado. Não há margem pra erro.

Então, veio 2015. Sabe, eu tenho todos os quadros com os títulos na parede da minha casa. Lembro como se fosse hoje: antes de sair de casa para ir para a final do Paulista daquele ano, eu me despedi da minha esposa e dos meus filhos, mas esqueci a chave do carro. Quando voltei, parecia que o quadro atraia meu olhar: era o de 2010, meu primeiro título no Santos. Eu pensei: vai vir mais um quadro para a parede.

E então, os pênaltis. Como eu presenciava naqueles jogos, a torcida gritava meu nome nas arquibancadas antes de cada penalidade e, a cada grito, parecia que o gol ficava cada vez menor.

O filme que eu vi naquele momento mostrou tudo isso: eu viajando de ônibus pra treinar no Bahia, as condições precárias, o momento em que eu parei para arrumar um trabalho e ajudar em casa e a dificuldade que foi de chegar até aqui, lutar pelo meu espaço, esperar a oportunidade que se apresentava pra mim ali.

Quando o juiz soou o apito final, eu me fechei com o grupo e disse: vocês treinaram muito bem durante a semana, tentem se concentrar ao máximo para fazer, pois podem confiar, eu garanto pra vocês: um eu vou pegar e esse título vai ficar na Vila Belmiro.

Então, o Rafael Marques correu da forma como vi nos vídeos. Bateu no canto que eu imaginei. Eu pulei, como treinei, e defendi, como sempre sonhei, e o estádio desabou. É uma emoção que não dá pra descrever não. Eu cumpri minha promessa. O título ficou na Vila Belmiro.

Desde aquele dia eu tenho uma certeza: a minha vez ainda vai chegar.

(Crédito: Ivan Storti/Santos FC)