Gustavo Silikovich foi gerente geral do River Plate entre 2015 e 2019 (Crédito: Divulgação)

Na série de lives sobre o futuro do Santos, o nosso convidado da última sexta-feira foi o executivo Gustavo Silikovich, que atualmente é secretário geral da Federação do Equador, mas foi gerente geral do River Plate entre 2015 e 2019 e um dos responsáveis pelo processo de transformação do clube argentino, que conquistou 12 títulos nesta década. Em 2017, no World Football Summit, em Madrid, Gustavo foi eleito o melhor executivo de futebol do mundo.

Na entrevista, ele destacou os processos do River (Gustavo mesmo foi contratado por um processo de Headhunter), a estratégia da busca de patrocínios como o da Turkish Airlines e caminhos para o futuro de vários clubes. Do Equador, ele elogiou o técnico Miguel Angel Ramirez, a administração do Independiente del Valle e negou qualquer proposta por Jorge Sampaoli em 2019 (confira os principais trechos da entrevista abaixo).

Nesta semana, nos teremos lives com o jornalista Ademir Quintino (segunda), com David Grinberg, vice-presidente de comunicação do McDonald’s (terça), com o jornalista Felipe Noronha, do Canal Eu Vim de Santos (quarta), com Guilherme Giannini, do Santos Depressivo (quinta) e com nossas colunistas Isabel Nascimento e Anita Efraim (sexta).

PROCESSO SELETIVO

Sempre trabalhei em grandes corporações nacionais, como Unilever, Price, depois em uma companhia de petróleo e morava em Pindamonhangaba (SP), e McDonald’s. Estava no Brasil acompanhando um jogo da Copa do Mundo, Brasil e Croácia, e recebi uma ligação de um Headhunter me perguntando se eu gostaria de ser incluído em um processo seletivo de um clube da Argentina. Foi uma surpresa para mim quando falaram que era do River Plate.

Sempre fui torcedor do River Plate e eles não sabia. Estava muito bem no McDonald’s, mas quando falaram que era o River Plate meu chão tremeu. Depois de quatro, cinco entrevistas me perguntaram se eu gostaria de ser o Gerente Geral do River Plate. Quase morri. Achava que não estava preparado porque não conseguia nada de futebol, entendia de corporações, orçamentos, informática, processos, mas nada para ser o gerente geral de um time do tamanho do River Plate.

Dei a sorte de entrar e fazer parte de um ciclo muito importante da vida do clube, com 12 campeonatos conquistados.

GESTÃO DO RIVER PLATE

Vou tentar falar as coisas boas e as coisas não tão boas. A cabeça do presidente do clube era de um cara empresarial. Ele decidiu contratar alguém que ele não conhecia, que fosse independente, que não estivesse relacionado com a política, que seja amigo do vice. Temos de contratar e deixar ele trabalhar. E tem muita gente de empresa que vai para o futebol e esquece tudo. Tem muita coisa que ele não faria na empresa, mas deixaria fazer no clube.

Depois do presidente, o segundo nível é o secretário geral. Tive a sorte de que o secretário geral do River havia sido presidente da IBM por 30 anos, um cara excepcional. Tudo que aprendeu no mundo empresarial ele tentou passar para o River Plate.

Você pode contratar um cara com talento, com referências, mas se você não deixa ele trabalhar é impossível ter resultado. A política dos clubes é muito dura. Tem muita gente discutindo por ter seu nome em algum lugar e não por um projeto.

Você precisa ter uma estrutura, um organograma. No futebol muitas vezes falamos de “personograma”. Temos as pessoas, os nomes, e depois as posições que podemos dar a eles. Está errado. Primeiro o projeto, a estrutura e depois os nomes. Muitas vezes no futebol acontece o inverso.

No plano esportivo, o presidente delegou quase tudo para o manager, que é o Enzo Francescoli. Um cara que tem uma experiência incrível dentro e fora do campo. O presidente não queria fazer todo o gerenciamento. Muitas vezes o presidente gosta de ir ao vestiário, fazer foto com os jogadores, compartilhar um churrasco. Não, não é a função do presidente.

Muitas vezes o presidente queria controlar tudo e isso é um problema. No River, o presidente ocupava o papel político do clube, com muita autoridade. Ele tem que exercer o poder e ter um grupo de talentos de mercado em todas as áreas.

RELAÇÃO COM SÓCIOS

O River Plate é um clube com cerca de 100 mil sócios do clube e um programa de sócio-torcedor com 50 mil, 55 mil sócios. Os clubes da Argentina vivem muito dessa cota mensal paga pelos apaixonados. Tem benefícios para assistir aos jogos, sorteios. Precisamos reforçar essa conexão emocional com os torcedores.

Sabe quantas pessoas votam no River Plate? São 30 mil. Quando eu vejo que no Brasil você pode ser presidente com dois mil, três mil sócios, é uma coisa que precisa mudar.

RECEITAS

Ao contrário do Brasil e de outros países, a TV representa apenas 6% do orçamento. Muito pouco. Na Argentina é um problema, mas uma oportunidade. Quando você depende muito de uma receita, você não se esforça para desenvolver as outras, como comercial e matchday. Criatividade para não depender só da TV. É um problema de muitos clubes do mundo que estão tão cômodos com a TV e não desenvolve as outras. E um dia a TV vai diminuir o pagamento e os clubes vão perceber que perderam uma oportunidade única.

No River, ter pouco dinheiro da TV fez a gente desenvolver as outras receitas. O River tem um carnê anual de ingressos com 80% do estádio pago adiantado. O River desenvolveu uma área VIP de hospitalidade com 800 cadeiras, menos de 1% do estádio, que representa 24% das receitas de Matchday. Por ter serviços. Para a final da Libertadores contra o Boca tinha um ticket que custava US$ 4 mil e tivemos 150 torcedores que compraram.

O ideal é não depender de receitas extraordinárias, como a venda de jogador. Receita de jogador deve ser superávit.

MARKETING

O Brasil é um país que eu amo, o maior país da América do Sul, comparado com o México em poderio econômico. No México, quase todos os patrocinadores são marcas internacionais. Para mim é uma surpresa que o Brasil, pelo poderio que tem e pelo bom produto, não consegue ter marcas internacionais. O Brasil até o ano passado quase todo mundo tinha o mesmo patrocínio, que era um banco.

No caso do River, tínhamos um patrocínio de um Banco privado, o mesmo do Boca. Quando o banco saiu, Boca teve ajuda do Governo e conseguiu facilmente um patrocínio.

O que fizemos? Contato com empresas de todo o mundo e com Embaixadas. Fomos na Embaixada russa, china, turca, dos Estados Unidos apresentar o River, fomos vender a marca, e falar da importância do clube. As Embaixadas tem muito contato com empresas privadas e públicas dos seus países. Fizemos três viagens para a Turquia e foi difícil.

Fizemos uma venda de que era muito importante para a empresa turca ter presença em Buenos Aires, quando na realidade tem mais voos do Brasil do que da Argentina. Tem de fazer muito esforço, falar com todo mundo e vender a marca.

MIGUEL ANGEL RAMIREZ E INDEPENDIENTE DEl VALLE

Eles fazem um trabalho excelente. Independiente del Valle é um clube criado há dez anos. Então, eles tem uma vantagem, puderam criar um clube moderno. Eles aplicaram ciência do esporte, pagam muito bem para as pessoas fora de campo, contratam talentos. Eles, por exemplo, tem um preparador de goleiros finlandês. É um projeto de longo prazo.  Tem poucos torcedores, não tem a imprensa cobrando.

Qual o problema do futebol equatoriano? O modelo do Independiente Del Valle, um exemplo a seguir, não só não é copiado, mas também é combatido porque é diferente. No futebol, muitas vezes as pessoas diferentes ficam fora. É a cultura do futebol.

Independiente Del Valle é um modelo que deveria ser copiado por clubes do Equador, do Brasil, mas não é.

Esse é o problema do futebol. Tem mais pessoas que não querem mudar do que pessoas que querem a mudança.

INTERESSE NO SAMPAOLI EM 2019

Sampaoli teve boa perfomance no Chile, no Peru, mas na Argentina não foi bem e tinha um time importante, com muitos bons jogadores. Na Argentina, a crítica foi de que ele não conseguiu controlar os egos do jogador.

No futebol, eu aprendi que muitas vezes a imprensa é muito importante para que o valor de um jogador ou de um treinador aumente, muitas vezes por um boato. Eu não liguei para ele.