Marcelo Sant’Ana foi presidente do Bahia entre 2015 e 2017 (Crédito: Divulgação)

Na série de Lives sobre o Futuro do Santos, o entrevistado desta quinta-feira foi o ex-presidente do Bahia, Marcelo Sant’Ana. Ele pegou o clube em dezembro de 2014 depois de uma intervenção na administração, na Série B do Brasileiro, com uma dívida quase três vezes maior que a receita anual do clube e apenas 4 mil sócios.

Desde então, o Bahia voltou à Série B, duplicou sua receita, diminuiu a dívida, viu o número de sócios saltar para 44 mil (antes da pandemia do coronavírus) e tornou-se referência em ações afirmativas no Brasil. Durante a Live, ele explicou como foi o processo, que passou por um enxugamento do número de conselheiros de 300 para apenas 100, que são renovados a cada eleição.

Nesta sexta-feira, o entrevistado na Série de Lives do Diário será Gustavo Silikovich, que foi gerente geral do River Plate entre 2014 e 2018. O time, que havia sido rebaixado em 2011, conquistou duas Libertadores, duas Recopas e uma Sul-Americana no período. Em 2017, Gustavo Silikovich foi eleito o melhor executivo de clubes do mundo. Ele teve longa carreira no mundo corporativo antes de chegar ao River Plate. Vamos debater quais as diferenças entre administrar clubes e empresas e entender o modelo argentino.

Confira os principais pontos da entrevista de Marcelo Sant’Ana:

O CENÁRIO

O Bahia teve um processo de intervenção judicial em 2013, que acabou na destituição do presidente por descumprimento do Estatuto, algo que é muito raro no Brasil. Quando entrei no Bahia o faturamento havia sido próximo de R$ 68 milhões e a dívida era estimada em R$ 120 milhões. Com mais ou menos quatro meses, quando a gente conseguiu consolidar o passivo do Bahia, chegamos a R$ 160 milhões e quando entramos no Profut a receita nos apontou algumas outras dívidas e chegamos a bater em R$ 180 milhões.

Em 2014, o Bahia foi rebaixado para a Série B do Brasileiro, mas foi campeão baiano e jogou a Série A do Brasileiro. E era ano de Copa do Mundo no Brasil, na teoria, seria um ano favorável. Mas como o Bahia veio de uma intervenção, o Bahia perdeu todo aquele ciclo de Copa do Mundo com más administrações. Em 2014 o Bahia tinha feito R$ 1 milhão em patrocínio, em  receita comercial, quando eu saí da presidência o Bahia já fazia R$ 13 milhões de receita comercial. Isso tendo jogado a Série B em 2015 e 2016.

Isso é um exemplo de danos que má gestões sucessivas provocam ao clube. Você tem um prejuízo de imagem que muita marca não quer se associar.

CHOQUE DE GESTÃO

A mudança do Bahia começa na intervenção. Eu chego no primeiro mandato regular de três anos eleito pelo voto direto dos sócios, que foi uma das mudanças estatutárias que o Bahia implementou. No meu primeiro mês nós desligamos 40 funcionários, por diversos motivos. Tem setores que estavam inchados, outros que para a realidade econômica do Bahia era inviável e tinha muita gente que estava com motivação baixa.

Você mudar a cultura de um clube é muito difícil. Você questionava sobre como as coisas eram feitas e a resposta era “porque sempre foi feito assim”. Isso me tirava do sério. Eu sempre questionava: “mas você concorda?, não tem outra maneira de fazer melhor?”.

Outro ponto de mudança. O Bahia só tem dois cargos estatutários, o presidente e o vice-presidente. Não tem mais cargo político. O presidente e o vice-presidente são remunerados segundo previsão do Estatuto, com base na lei que permite que presidente de associações possam ser remunerados em até 70% do salário do executivo nacional. Para ilustração, o presidente da República ganha mais ou menos R$ 30 mil, o presidente do Bahia ganha R$ 20 mil bruto. Para o meio do futebol é um valor baixo, mas já é uma tentativa de mostrar a preocupação da dedicação exclusiva, para que você tenha gestores preocupados exclusivamente no clube. Você tem funcionário no Bahia que ganha mais do que o presidente do clube.

Nunca aceitei indicação política de grupo nenhum, embora quatro grupos políticos tinham participado da minha candidatura. Eu sempre falei que, ser era para fazer diferente, tínhamos de fazer da forma como nós acreditávamos. No momento de dificuldade tive o suporte dessas pessoas. Embora o mundo tenha se modificado, a cultura nossa de trabalhar futebol é antiga. Felizmente o tempo mostrou a linha que todos nós acreditávamos era a melhor para o clube.

CONSELHO E SITUAÇÃO POLÍTICA

O Bahia tinha 300 conselheiros, mais os beneméritos, e hoje só tem 100 conselheiros, eleitos proporcionalmente. O mandato de conselheiro é de três anos, permitindo uma única reeleição. Ficou seis anos tem de sair. Depois pode até voltar. No Bahia não tem conselheiro nato. Ah, fui presidente e virei conselheiro eterno. Não existe.

Acho que isso é benéfico ao clube. Com 100 conselheiros você mantém a pluralidade, a questão heterogênea, aumenta a assiduidade. Com 300 conselheiros tem muitos deles que não sabem nem como o clube está. Tem questão de vaidade. Ah, fui presidente e tenho de ser benemérito. Foi presidente porque um colegiado te permitiu essa oportunidade e você tem de ser grato a esse colegiado, mas isso não te faz superior a ninguém.

O Conselho Fiscal tem acesso a 100% dos documentos do Bahia na hora que eles pedirem. Fizeram o requerimento, assinaram, eles tem acesso aos contratos. E também tem responsabilização jurídica se ele vazar o contrato e prejudicar o clube.

Quando eu fui candidato eram seis candidatos à presidente, cinco chapas no Conselho. O Bahia tem hoje cerca de oito grupos políticos dentro do Conselho. Tem briga, não tem pacificação 100%, mas o que não tem no Bahia ou tem em baixa escala é gente fazendo sacanagem, querendo atrapalhar.

Eu fui eleito com 43% dos votos válidos. Era minoria dentro do Conselho, tínhamos brigas pesadas, o presidente do Conselho era do grupo do segundo lugar na eleição, ou seja, do cara que perdeu para mim, mas quando ele foi presidente do Conselho ele foi técnico na condução. Ele falou “se vocês estiverem uma maneira correta eu não vou atrapalhar. Eu vou fazer meu trabalho de acordo com o que é melhor para o Bahia”. E dessa maneira foi feito.

RECUPERAÇÃO DA CREDIBILIDADE

Uma série de atitudes, como a transparência, práticas de gestão, incluindo normais de governança corporativa e compliance, comunicando isso para o mercado através de segmento da imprensa especializada. Era uma busca de falar não só sobre os canais tradicionais de esporte, vamos procurar veículos segmentados de economia, de responsabilidade social.

Pagando o salário rigorosamente em dia, os jogadores não reclamam mais de salários atrasados. O Bahia deu bolsas de estudos para qualificar os seus funcionários. Pagamento de 13º salário.

Foram através dessas iniciativas, conversando com agências de publicidade, participando de eventos para divulgar as ações do Bahia. Os próprios stakeholders, a televisão diz que o Bahia não pede mais antecipação, o Bahia não tem mais empréstimo bancário, não tem mais empréstimo na CBF.

Você vai criando um ambiente mais positivo. A percepção deixa de ser negativa, passa a vir a confiança, a esperança, sentimentos mais positivos ligados ao clube e cabe ao departamento comercial transformar essas virtudes em receitas.

SÓCIOS

Qualquer criança que trabalha com marketing sabe que você precisa descobrir quais os desejos do seu consumidor ou despertar nele uma vontade. Depois você dá o produto para você consumir.

Todo torcedor quer ganhar título, isso eu já sei, não tem dúvida. Tem torcedor que quer votar para presidente. Tem outro cara que quer desconto em produto. Tem outro que quer mais facilidade para entrar no estádio. Tem outro que quer um serviço de qualidade dentro do estádio.

Você precisa segmentar seu torcedor por setores de interesse e por idade.

Quando fomos eleitos o Bahia tinha 4 mil sócios adimplentes. Quando termina o nosso mandato o Bahia já tinha 20 mil sócios. E na sequência, antes da pandemia, o Bahia chegou a 44 mil sócios. A receita era cerca de R$ 300 mil por mês e passou a ter algo próximo de R$ 4 milhões, é dez vezes mais.

Quando chegamos no Bahia o programa de sócio era operado por uma empresa terceirizada e demorou um tempo para conseguir encerrar o contrato. Hoje é tudo feito internamente pelo Bahia e nós temos mais informações sobre o hábito de consumo do sócio.

Você precisa ter estratégias que você precisa construir para entender a carência desse cara.

VOTO À DISTÂNCIA

Quando eu era presidente nós votamos a possibilidade do voto online, que foi regulamentado no atual Conselho. Em breve, o Bahia vai ter votação dos seus sócios onlines. Já fizemos simulações dentro do Conselho e em breve será adotado nas eleições.

RESPONSABILIDADE SOCIAL E AÇÕES AFIRMATIVAS

Nós fizemos um trabalho com Irmã Dulce. Nós doávamos 1% das receitas de sócio e patrocínio de uniforme para as obras sociais da Irmã Dulce, que é um trabalho que atende crianças e adolescentes em vulnerabilidade social, com mais de 8 milhões de atendimentos ano. Nós temos esse trabalho muito forte.

Depois o Bahia mudou o foco para fazer um trabalho de conscientização sobre temas diversos. É o índio, o gay, a questão da adoção, a questão do negro. Como a gente tem o Roger agora e ele se sente à vontade de discutir o racismo, ganhou uma verbalização ainda maior o tema.

Não agrada todo mundo, mas o que o Bahia busca é trazer os temas humanos para o debate. Dizer que existem os problemas e a gente precisa perceber os problemas.

CATEGORIAS DE BASE

Um caminho que o Bahia tem para ser competitivo é na formação. Como a especulação imobiliária no mercado é menor, você tem mais campos de bairros, campos de futebol amador. Dá para buscar jogadores com ambição de crescer. Nós buscamos jogadores de até 23 anos para tentar participar da formação e vender no auge, com 25, 26 anos.