O presidente Eduardo Bandeira de Mello participou de uma Live no canal do DIÁRIO (Crédito: Divulgação)

Na série de Lives sobre O Futuro do Santos, o convidado desta quinta-feira foi o ex-presidente do Flamengo, Eduardo Bandeira de Mello. Quando ele assumiu o clube carioca, em 2013, as dívidas eram superiores a R$ 755 milhões e a arrecadação pouco superior aos R$ 200 milhões. O clube não tinha Certidão Negativa de Débitos (CND) e enfrentava cerca de 600 processos trabalhistas.

Quando Eduardo Bandeira de Mello deixou a presidência do Flamengo, em 2018, o clube já havia reduzido as dívidas pela metade e multiplicado as receitas por três. Na Live, o ex-dirigente explicou alguns pontos chaves para o sucesso administrativo. Muitos deles podem ser aplicados pelo Santos.

“Flamengo e Santos tem algumas coisas comuns. O Santos tem uma tradição, um nome nacional conquistado na época de Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe. Uma coisa que acho semelhante também é a identidade de formação dos jogadores, o trabalho de base, padrão de excelência na formação. O Flamengo foi campeão mundial em 81 com um time praticamente formado nas categorias de base”, afirmou.

Nesta sexta-feira, a série de Lives continua com o vice-presidente de comunicação do Orlando City, Diogo Kotscho.

A SITUAÇÃO EM 2013

A situação era calamitosa. Nós fizemos a contratação de uma auditoria para chegar no valor da dívida do Flamengo porque nem isso era confiável. Contratamos a Ernst & Young para saber o tamanho da encrenca. Ele chegaram no valor de R$ 750 milhões, mas ao longo do tempo foi aparecendo mais. Hoje a gente sabe que a dívida era maior que R$ 800 milhões. E a nossa receita era de R$ 200 e poucos milhões.

Boa parte da dívida era fruto de apropriação indébita, dívida com a Fazenda nacional, nossas receitas estavam penhoradas, devíamos três meses de salários para o elenco e o fluxo projetado era de R$ 130 milhões negativo, uma tragédia total. Tivemos de cortar na carne, lutar muito para saldar o passivo, que era financeiro, mas também era ético e moral. O Flamengo era tido como mau pagador, um clube que prometia e não cumpria.

Quando assumimos, firmamos o compromisso de acabar com isso nem que fosse fazer necessário fazer sacrifícios na área esportiva, na área social. Realmente foram anos muitos difíceis.

A REFORMULAÇÃO

O futebol hoje em dia é tão complexo que não comporta mais administração amadora. A administração foi profissional, foi realizada com profissionais que contratamos no mercado com as melhores técnicas de recrutamento, gente bem remunerada, remunerada com cláusulas de desempenho, como se faz nas melhores empresas, com transparência total. O Flamengo é uma entidade sem fins lucrativos, mas eu costumo dizer que precisa ser gerido com a eficiência da melhor sociedade anônima e a transparência da melhor empresa pública.

Nós precisamos agradecer a nossa torcida. Ele entendeu a situação que a gente vivia a se dispôs a fazer sacrifício, a sofrer nos primeiros anos. Nós chegamos a ficar ameaçados de cair para a segunda divisão algumas vezes, pelo menos duas, e a torcida foi parceira. Teve uma cumplicidade que até me surpreendeu. A torcida tem todos os méritos nessa recuperação que nos fez chegar no final de 2018 com a receita multiplicada por três e a dívida reduzida pela metade.

Nosso primeiro projeto foi trabalhar em um acordo para parcelar a nossa dívida vencida, que era de quase R$ 60 milhões. Nós fizemos um acordo dramático para pagar aquilo em um prazo apertado. E cada mês que a gente conseguia pagar a gente comemorava e não sabia se conseguiria pagar o próximo.

Lembro do dia em que fui me apresentador aos jogadores do Flamengo, dia 3 de janeiro. Eles eram meus ídolos, eu era torcedor de arquibancada. Estava morrendo de vergonha por constatar que estava devendo três meses de salário para os jogadores. Meu discurso para eles foi: “Gente, estou aqui envergonhado com a situação. Eu trabalhei 36 anos em uma empresa que nunca atrasou meu salário”.

Pagar salário em dia é obrigação, não é mérito. Eu lembro que quando o Flamengo pagava salário era notícia nos jornais. Estávamos no meio de novembro e tinha matéria “Flamengo pagou os salários de agosto”. Isso é uma vergonha. Pagamento de salários não podem ser notícias. Eu falei para eles que nunca mais veriam isso. É uma demonstração de respeito. É uma coisa que me orgulho por ter tido o reconhecimento dos atletas e dos funcionários do Flamengo.

FLUXO DE CAIXA

Um clube da dimensão do Flamengo não pode contar com receitas não recorrentes, como venda de atletas, para sobreviver. É um erro porque às vezes você acha que vai faturar R$ 100 milhões naquele ano e pode ter uma frustração. Isso não depende de você, não pode contar com isso.

A venda do Paquetá foi no final do meu mandato e quase todo o dinheiro foi sacado pelo meu sucessor. Isso é outra coisa que sempre tivemos em mente, nunca trabalhar no horizonte do mandato porque a gente sai e o Flamengo continua. Não importa se vai assumir amigo ou inimigo, é o Flamengo.

Clube nenhum pode se comprometer despesas que são certas com receitas que são incertas, como é o caso de venda de jogadores e receita de premiações.

ESTRUTURA POLÍTICA

Nunca enganamos ninguém, nunca fizemos acordos, nunca contratei um parente, nunca contratamos amigos. Todas as contratações foram feitas com o critério mais rigoroso possível. Se você dá um exemplo você minimiza as pressões políticas. Os funcionários que tivemos de demitir ou que deixamos de contratar por pressão política nunca tivemos medo de fazer porque estávamos dando exemplos. Sofri pressão, mas não adiantou nada.