Andres Rueda e Ariel Holan são esperanças para colocar o Santos nos eixos (Crédito: Ivan Storti/Santos FC)

Superar adversidades é uma rotina na história do Santos. Com quase 109 anos de fundação – a se completarem no próximo dia 14 de abril -, já se pode dizer sem receio que superação é dom, vocação, um talento nato do clube. Nos últimos anos, essa condição tem sido reafirmada a ponto de fazer os críticos soarem repetitivos. Nos janeiros, o futuro projetado em campo é sombrio pelo que se nota de caótico no presente administrativo – salários devidos, nebulosas transações, falta de capacidade de investimento, etc… Nos dezembros, o presente administrativo mantem a feiúra, mas em campo há luzes a confundir mente e lógica.

Nas duas últimas temporadas, foi exatamente assim. Os vice-campeonatos brasileiro, em 2019, e da Libertadores, em 2020, contrariaram demais a realidade. A segunda colocação nos pontos corridos teve a maior pontuação do Santos desde que a disputa passou a ser com 20 clubes. Não fosse o excepcional Flamengo de Jorge Jesus, e o Peixe teria sido campeão. O vice continental teve no percurso vitórias na altitude de Quito e sobre duas potentes camisas, Boca Juniors e Grêmio. O tetracampeonato ficou muito próximo, escapou por um fio na decisão contra o Palmeiras, no Maracanã. Roteiros grandiosos, épicos, em tempos de penúria. O que explica?

Deixemos de lado a filosofia a fim de evitar a falsa impressão de que estar com as contas insistentemente no vermelho é virtude (obviamente, não é e põe sim em risco o futuro do clube). O cenário atual dá motivos para crer que no futuro o clube possa depender menos dessa capacidade de superação e mais dos frutos de uma gestão austera e criativa. O início do mandato de Andres Rueda é animador nesse sentido. São efetivas as medidas de contenção de gastos, redução da folha de pagamento e, em paralelo, ações para aumentar receitas – o clube volta a ter um patrocinador máster depois de dois anos, por exemplo. Há perspectivas reais de que logo seja quitada a salgada dívida com o chileno Huachipato pela contratação Soteldo e encerrada a punição na Fifa, dando fim ao vexame de não poder contratar – não há vocação capaz de liquidar a vergonha para um clube grande de uma punição dessas.

A escolha de Ariel Holan para tocar o barco completa o combo do otimismo. Sampaoli e Cuca tiveram importância decisiva nos surpreendentes vice-campeonatos dos dois últimos anos. Porém, ambos demonstraram reiteradas impaciência e irritação com as dificuldades administrativas do Santos. Cuca, que encarou contexto mais difícil que o do antecessor, trocou de clube justamente por não ter perspetivas de investimentos a curto prazo. Holan tem se comportado de maneira bem diferente. Expõe entendimento pleno da situação delicada que o clube atravessa e disposição para extrair o melhor com o que tem. Apesar dos poucos jogos até aqui e o tempo sem atuar pela paralisação do futebol em São Paulo, a trajetória na carreira, as declarações e as atitudes do técnico não dão margem a desconfiarmos de vernizes de ocasião. E, é importante frisar, Holan é afinado com conceitos de jogo arejados, tem um perfil que rima com a atualidade do esporte.

O contexto permite que o torcedor confie em futuras alegrias que não sejam decorrência apenas do tal dom ou vocação à glória que tanto acompanha o Santos. O dueto Rueda e Holan pode fazer o clube brigar mais uma vez por títulos por méritos administrativos e de mentalidade. Isso irá depender, é claro, da prova de fogo do tempo, com o presidente comprovando ser capaz de bancar um trabalho sem ceder ao populismo da troca de treinador diante das cobranças. E o técnico mostrando que a lucidez com que encara as limitações financeiras não tem prazo de validade.