Chico Silva ao lado de Renato em evento de homenagem aos campeões de 2002 (Crédito: Arquivo pessoal)

Chico Silva, especial para o DIÁRIO DO PEIXE

Quem lê o título desse texto assim solto e sem contexto pode levar um susto. Mas posso garantir que não tem uma letra de exagero aí. Se eu tinha uma convicção naquele 15 de dezembro de 2002 é que só voltaria vivo para casa com a faixa de campeão brasileiro no peito. Desde o trágico 17 de dezembro de 1995, o maldito Marcio Rezende Day, eu havia visto ao vivo e em preto e branco todas as desgraças vividas pelo Santos. E olha que foram muitas. Se havia decepção, havia Chico Silva no estádio. Tinha certeza de que o culpado da fila era eu e, não, Argel, Róbson Luiz, Carlos Germano, André Luís Torre Gêmeas e outros personagens que contribuíram para o nosso calvário que completou a maioridade em 2002.

A sina começou no jogo citado acima, quando sai comemorando na marquise do Pacaembu como louco o gol legítimo anulado do Camanducaia pelo ladrão Rezende até que cinco minutos depois alguém que nunca saberei quem é me parou e disse. “Tá comemorando o quê? O gol foi anulado”. Como castigo pelo delírio e pelo roubo, voltei a pé do Pacaembu para casa, uma jornada de 10 quilômetros até o bairro onde passei a maior parte da minha vida, o Lauzane Paulista, na periferia da Zona Norte paulistana. Três anos depois, nesse mesmo Pacaembu, estava eu espremido na arquibancada dos visitantes quando Edílson deixou Argel falando sozinho e deu um bico nas nossas esperanças de título brasileiro daquele ano. Uma vitória nos levaria à final contra o Cruzeiro. Por um acaso estava ao lado de Mano Brown quando o escorregão fatal de Róbson Luiz, cara a cara com o fraco goleiro Ney, pôs fim a nossa ilusão. No Lance! do dia seguinte, escrevi uma matéria com o título “Sobrevivendo no Inferno”, nome do histórico disco lançado pelos Racionais MCs naquele ano. Não poderia haver definição melhor para o que eu, Brown e milhões de santistas sofremos naquela noite que não foi nem minha, nem sua e nem nossa no Pacaembu.

Dois anos depois lá estou eu de novo. Dessa vez no Morumbi, para o segundo jogo da final do Paulista de 2000. Amassado em um gomo de arquibancada, o único espaço que nos deram, vi Carlos Germano espalmar com mão de alface um chute até fraco do Marcelinho Paraíba. Era o gol de empate do São Paulo. Resultado suficiente para dar o título a eles e inaugurar oficialmente as “celebrações” do nosso 16º ano sem faixa. Mas o pior ainda estava por vir.

Treze de maio de 2001. Era Dia das Mães, do meu aniversário e do segundo jogo da semifinal do Paulista daquele ano. Dessa vez vou sozinho para o Morumbi. Meus parceiros de arquibancada e sofrimento, Rocco e Dinho, o Peito Cheio, acharam que era um pouco demais trocar o aconchego do almoço materno pela fria e chuvosa viagem da ZN até o Morumbi. Mas como bom taurino santista que sou, me apeguei na teimosia e confiei que Rincón, Deivid, Dodô e Fábio Costa me dariam o presente que há anos esperava. Quem passasse naquele confronto enfrentaria Botafogo ou Ponte Preta na final. Ou seja. Dali sairia o Campeão Paulista. Por ter melhor campanha, o Santos jogava pelo empate. E assim o jogo estava até os 47min30seg do 2º tempo, quando André Luís Torres Gêmeas desabou após um drible de Gil, que tocou para Marcelinho Carioca deixar a bola passar e Ricardinho acertar um chute inalcançável no ângulo de Fábio Costa.

Nascia ali a versão santista do 11 de Setembro. Até hoje o som da torcida do Corinthians no gol me assombra como o se fosse o choque dos aviões colidindo no Word Trade Center. Ao final do jogo, fiquei quase sozinho na arquibancada tentando entender o que havia acontecido. Até que um PM me tirou ali a golpes de cassetete. Do Morumbi, segui no meu Uno Mille Prata até o Sujinho na Consolação, onde fui “comemorar” solo meu aniversário ao lado de três jarras de caipirinha de pinga. Algo impensável nos dias de hoje, voltei dirigindo na fria madrugada paulistana. Já perto de casa, na avenida Parada Pinto, nas bordas do Horto Florestal, mirei num poste e acelerei. Com muito álcool e pouca razão na mente pensei. “Chega. Só tem um jeito de o Santos ser campeão”. Mas no último segundo antes da pancada alguma coisa me fez puxar o freio de mão e dar um cavalo de pau. O carro bateu na guia e parou.

E assim chegamos ao domingo, 15 de dezembro de 2002. Para mim não havia alternativa. Era título ou morte! Mas não podia ser uma qualquer. Tinha que ser alguma coisa épica, como uma queda da arquibancada ou coisa parecida. Claro que não contei isso para o Rocco, para o Dinho Peito Cheio e para o Giba, que estavam comigo na arquibancada do Morumbi. Mas o quando o Corinthians, ele de novo! virou o jogo no 2º tempo, comecei a pensar no que faria. A partir dali viro de costas para o campo e começo a me preparar para o momento final. As tragédias anteriores voltaram a me assombrar. De repente ouço um burburinho que vai numa crescente até se tornar grito. Gol! Fico congelado. De novo, não! Não é possível. Mas é isso. Fazer o quê. Adeus. Fim.

Era. Mas o da fila. O gol havia sido nosso, de Elano, após jogada monstruosa de Robinho, que hoje é apenas uma Pedalada. Só que nem comemorar consegui. Na louca euforia, um bolo de santistas caiu em cima de mim. O que estava me esmagando pesava uns 130 quilos. Fui perdendo o ar e a respiração. Tinha planejado uma morte. Mas não essa. Não era justo morrer assim depois de tanto sofrimento e espera. Comecei a brigar para tirá-lo de cima de mim. Quando estava conseguindo veio o golpe final do Leo. Mas por sorte um movimento inverso da massa fez o cara rolar para outro lado e com isso consegui sair. Nessa confusão perdi o botão da calça, o que me traria um problemão quando invadi o gramado para comemorar o título com os amigos e jornalistas Giba, Amaral e Mazzitelli. Mas o que era isso perto da redenção! Fim da fila e da agonia. O resto é festa e história!