Mezenga foi o artilheiro do Água Santa no Paulistão (Crédito: Rebeca Reis/Ag.Paulistão)

Existe uma lenda urbana de que, durante a corrida espacial, o presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, visitou a NASA e encontrou um faxineiro nos corredores. JFK, então, teria perguntado ao rapaz qual a função dele na NASA.

“Estou ajudando a levar o homem para a Lua”, teria respondido o funcionário.

A historinha contada acima virou mantra de coaches e muito utilizada no mundo corporativo. Ele sinaliza a importância de todos os colaboradores de uma organização, mesmo aqueles de funções menos complexas, estarem motivados e alinhados com os objetivos da organização.

Quanto maior a organização, mais difícil você conseguir essa motivação e esse alinhamento.

No Santos, por exemplo, esse alinhamento não existe. De acordo com o último relatório do Conselho Fiscal, o Peixe terminou 2022 com 485 colaboradores. É um número bastante significativo, com tempo de clube, idades, nível educacional e cultural diferentes, entre outras coisas. E não existe qualquer trabalho no clube do chamado endormarketing, estratégia usada no mundo corporativo para ajudar na criação de um ambiente de trabalho saudável.

Além dos 485 colaboradores, o Santos tem 8 milhões de torcedores espalhados pelo mundo. Pessoas que vibram com as conquistas (cada vez mais distantes) e sofrem nas derrotas (cada vez mais frequentes). Tem uma dezena de veículos de imprensa buscando informações sobre o clube todos os dias. Tem cobrança diária por decisões acertadas, seja dentro de campo ou fora dele.

É muito difícil você conseguir se destacar, desenvolver um grande trabalho, em uma grande empresa sem organização, sem cultura interna, sem valorização dos seus colaboradores e com uma forte cobrança diária de torcedores e imprensa. Nada será resolvido apenas com o “pensamento positivo”.

Por isso o torcedor santista cansou de ver treinadores fracassando no clube e se destacando em outros. Fernando Diniz, campeão carioca com o Fluminense e cotado para a Seleção, é o caso mais recente. O processo está acontecendo com Odair Hellman, que teve bons trabalhos no próprio Fluminense e no Internacional, mas está perdido na Vila Belmiro.

Por isso também o torcedor está acostumado a ver jogadores saindo do Santos e fazendo sucesso em outros clubes. Está vendo jogadores pedindo para deixar o Santos, mesmo antes de uma semifinal de Libertadores, por exemplo.

Por isso que os dois últimos técnicos com relativo sucesso no clube tinham o mesmo perfil. Sampaoli e Cuca fecharam o time com eles, evitando a complexidade das relações com outros 400 colaboradores, centralizando todas as decisões do clube e tentando blindar o elenco do efeito de cobranças de torcedores e imprensa. Com Cuca, claramente era o “nós contra eles”. E neles estavam o presidente, os torcedores e imprensa, que apostavam no rebaixamento da equipe.

Por isso também que o Santos não é o Água Santa, time que não deve ter 50 colaboradores, que não tem uma imprensa diariamente produzindo matérias sobre os seus personagens, não tem oito milhões de torcedores prontos para criticar qualquer decisão do clube, dentro ou fora de campo.

São contextos completamente diferentes. Por isso que não deveria se avaliar jogadores desses clubes apenas pela temporada no Água Santa. Menos ainda por um jogo, como aconteceu no Santos.

Dá para fazer um paralelo com o Independiente Dell Valle, do Equador. Clube pequeno, sem torcida, com uma cultura interna e processos bem estabelecidos. Tem feito sucesso repetidamente na América do Sul. O Internacional foi buscar o técnico Miguel Angel Ramírez apostando que ele era a chave. Em poucos meses, o treinador foi demitido. Renato Paiva, embora campeão estadual no Bahia, faz temporada ruim com eliminação precoce na Copa do Nordeste e já balançou no cargo. E o atual técnico, Martín Anselmi, campeão da Recopa sobre o Flamengo, estava em trabalho ruim no La Calera e enfrentou o Santos na Copa Sul-Americana.

Sou fã do Galvão Bueno e de Fórmula 1 e lembro sempre das narrações e comentários dele nas transmissões da Globo.

“Fazer um bonito em equipe pequena é fácil. Tem que ver quando chega em equipe grande e o piloto perde o direito de errar”.

Luan Dias, mais jovem, fez seguidos campeonatos de destaque no Água Santa, mas não se destacou em Ponte Preta e Goiás. Bruno Mezenga fez bons estaduais no Água Santa e na Ferroviária, mas não foi bem na Série B do Brasileiro por Goiás e CSA. Gabriel Inocêncio é um caso ainda mais emblemático. Tem 28 anos, passou por 13 clubes no profissional e se destacou no Paulistão desse ano fora da sua posição de origem.

Eles podem fazer sucesso no Santos?

Sim, podem. Futebol não é uma ciência exata.

Mas, se algum deles brilhar no Peixe, será uma grande exceção.

O Santos tem de buscar a regra.