Cortejo do Rei Pelé passou pelas ruas da Vila Belmiro (Crédito: Alexandre Battibugli)

Diferente de parte dos setoristas que moram em Santos, eu estou em São Paulo. Moro na Capital Paulista e sempre que há algum evento na Baixada, como treino aberto, coletivas, apresentação ou qualquer coisa do tipo, me desloco para lá. Preciso acordar mais cedo, antecipar horários e tudo mais. Nem sempre é fácil, mas abre espaço para ouvir histórias ao longo do caminho.

Eu aguardava a chegada do meu ônibus para ir ao velório do Rei. Uma senhora de mais ou menos 65 anos foi se aproximando com o “Bem”, seu marido, que parecia um pouco mais velho, por volta dos 80. Ela me perguntou se aquela era a plataforma 9. Eu confirmei. Eles não estavam com a camisa do Santos, mas puxaram assunto dizendo que iriam para o velório do Rei e que seu marido, o “Bem”, viu Pelé jogar e queria se despedir. Eles moram em Guarulhos e acordaram por volta das 3h da manhã. Ali, naquele momento, eu soube: o dia reservaria emoções.

O velório de Edson Arantes do Nascimento, o Rei Pelé, teve início às 10h de segunda-feira (2). Antes disso, porém, torcedores ocupavam as filas. A pauta em que eu recebi, assim como vários de meus colegas de imprensa, era a seguinte: ouça históricas. Escute as pessoas, pegue fila, abra o coração e escute.

E quis o destino que a primeira pessoa que eu tive a honra de conversar é um torcedor fanático do Corinthians, de 47 anos. Ele saiu de Curitiba, no Paraná, e viajou 500km (8 horas) para prestar suas homenagens. O torcedor foi à Vila Belmiro dar adeus ao jogador que mais castigou seu time em toda história. Pelé é sim do Santos, de Santos, do mundo. Mas o Pelé é, principalmente, do povo.

Falei também com o primeiro torcedor que entrou na Vila para se despedir do Rei. Antônio da Paz, de 67 anos, morador de Santo André. Ele contou a história da Copa do Mundo de 1970 quase que inteira e relembrou a grande final contra a Itália. Pelé fez um gol e deu uma assistência. Parece pouco para tudo que Pelé representa. Antônio contava os detalhes completamente emocionado. Quase que não consegui compreender o que ele falava de tão embargada estava sua voz. Acabou que, com toda emoção do momento, me esqueci de perguntar o time em que ele torcia.

No gol Mil do Rei, ele falou sobre crianças. Pediu para que o mundo olhasse para elas. Pelé, deixa eu te contar: dessa vez, elas que olharam para você. O Pablo Henrique, de 14 anos, me falou que “fomos gloriosos e escolhidos” por ter Pelé no Santos. As coisas mudaram de lado, mas o sentido é o mesmo: o amor.

Tinha torcedores argentinos, peruanos, mexicanos, americanos e franceses. A cobertura da imprensa foi enorme. Foram mais de mil jornalistas de todos os cantos do mundo que queriam levar para todos os públicos o seguinte recado: Edson nos deixou, mas Pelé segue vivo.

Um colega da ESPN disse que, durante o cortejo, parecia que Pelé não estava no caixão e sim sentado em um trono agradecendo por todas as manifestações de carinho. Eu ouvi várias reclamações da falta de “””ídolos””” no velório do Rei. Gente, os verdadeiros donos e amantes do futebol estavam lá. Não faltou ninguém. Pepe e Mengálvio, parceiros do Rei, não foram por saúde. O restante, todos os protagonistas da história do Rei estavam lá.

A Vila Belmiro e a cidade de Santos foram tomadas por pessoas que estavam lá para demonstrar respeito e admiração. Pessoas como o Sr. Antônio da Paz, torcedor popular. Não tinha mansões, carros luxuosos, joias e diamantes. Estava com uma taça da Copa de plástico na mão e uma coroa de papel na cabeça. Ele estava lá unicamente por amor. Não queria nada em troca. Queria agradecer e homenagear vossa Majestade.

As pessoas que estiveram na Vila Belmiro representavam o povo. Representavam aqueles que lotaram o Maracanã para ver o Santos bi mundial. Representavam aqueles que expulsaram o árbitro Guillermo Velasquez em um amistoso entre o Santos e a seleção olímpica da Colômbia, no estádio El Campin, em Bogotá, para que Pelé voltasse.

Representavam quem chorava com a lesão de Pelé na Copa de 1962, os que estavam no gol mil no Maracanã, no adeus contra Ponte, na Vila. Pelé, o Rei do Futebol, ficaria feliz com presença de personalidades, mas nada o deixaria mais contente do que ver a presença do POVO em seu último desfile.

Pelé amava o povo. O povo esteve com ele. E tudo isso é o que importa.